por Luciana Romagnolli
Havia em "Fala Comigo como a Chuva" uma construção nuançada de imagens poéticas que emprestava ao espetáculo do grupo Teatro Adulto a força e a sensibilidade envolvidos em um desencontro amoroso, desde a partitura corporal comprobatória da intimidade a dois à profusão da água como elemento simbólico da fluidez amorosa e da crise desesperadora.
São sutilezas que não encontram analogia na montagem mais recente do grupo, "A Última Canção de Amor deste Pequeno Universo" (foto de Guto Muniz), em cartaz pelo Verão Arte Contemporânea.
Ao adaptar ao palco o romance "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de Goethe, a diretora e dramaturga Cynthia Paulino optou por levar às últimas consequências o sentimento do título.
Palco e elenco foram recobertos de preto, ao passo que os atores se expressam todos no mesmo registro vocal grave abalado e a partitura corporal se funda, desta vez, numa gramática centrada na gestualidade suicida.
A consequência dessa sobrecarga gótica e enlutada é o hiperrealce - estilizado - do ato de sofrer, afastado do ardor amoroso e do ser amado. Uma coreografia para exibir a dor.
Embora coloque todos em cena (Goethe e Werther, Carlota e o marido, Alberto, e até o Destino) numa dramaturgia que reprocessa a literatura inserindo as trocas de cartas entre o escritor alemão e seu rival, Cynthia recusa para a moça a figura de musa, preferindo retratá-la como atingida por dor tão absoluta quanto Goethe e seu alter ego Werther.
Por essa escolha, o encanto que Carlota teria exercido sobre três homens nunca se materializa na sua linguagem corporal, desprovida de graça ou leveza, nem na expressão, carrancuda.
O amor, portanto, está fora de questão. Ao menos as primeiras etapas inebriantes do amor romântico, sem as quais ninguém chegaria ao desmonte suicida. Desde sempre, é luto.
A falta de um fio que una Carlota a Werther ou a Goethe é sintoma de relações que não se estabelecem na contracena. Os atores pouco se olham ou se tocam - e, quando unem os corpos, não há veracidade no encontro. Cada um está entregue à autocomiseração e imerso na própria dor egoica. Sobretudo o Destino, papel de Luiz Arthur, fica sem função.
Essa fragilidade é também da tessitura dramatúrgica. As cartas redundam a narrativa ficcional, entrecortadas mais para cumprir uma tendência contemporânea ao efeito de embaralhamento entre real e ficcional do que atendendo a uma necessidade interna de significação.
*Texto publicado no jornal O Tempo.
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