Na terceira parte do post sobre as relações do teatro com a internet, Daniele Ávila, editora da revista eletrônica Questão de Crítica, defende a transmissão de espetáculos e fala da recente formação de um corpus crítico na internet.
"Descartes com Lentes", solo de Nadja Naira analisado na Questão de Crítica |
O teatro sobrevive quando transposto em vídeo para a internet?
Daniele Ávila - Sem dúvida, o teatro sobrevive, mas não apenas isso. Não acho que se trate de uma sobrevida ou de um simulacro de experiência. A produção de imagens audiovisuais a partir de uma montagem teatral pode gerar uma outra forma de dar a ver aquela criação e isso pode ser muito interessante.
Por outro lado, a possibilidade da transmissão ao vivo coloca questões relevantes para o teatro, tanto para o pensamento da encenação quanto para a condição do espectador. Acho que qualquer forma de arte se alimenta e se renova a partir dos problemas que a sua época lhe apresenta. A Internet abre todo um universo de possibilidades de compartilhamento de conhecimento, de pensamento, de produtos culturais, e isso coloca em cheque algumas premissas básicas dos nossos modos tradicionais de fruição das obras. A Internet está embaralhando nossas noções de presença, de convivência, de interação – e ainda estamos aprendendo a lidar com essas mudanças. Há quem veja nisso um prato cheio para se livrar de velhas amarras e há quem não consiga fazer outra coisa além de choramingar e reclamar que as coisas não são mais como antigamente.
Além disso, ninguém parece questionar a legitimidade do teleteatro dos anos 50, formato importado da TV norte-americana e imediatamente admirado no Brasil, a que muitos se referem hoje com uma boa carga de saudosismo – os mesmos que provavelmente desconfiam da transmissão de peças via web.
Acho a possibilidade de transmitir espetáculos pela Internet incrível. Pra quem mora numa cidade em que dezenas de teatros funcionam a todo vapor, é fácil dizer que a experiência só é legítima quando você está literalmente presente no espaço e no tempo da apresentação. Mas a realidade da esmagadora maioria de municípios brasileiros é bem diferente. E muitos dos que têm um equipamento cultural razoável não contam com uma programação intensa e diversificada de teatro. A questão da ampliação do acesso pela Internet é uma realidade. E o registro de espetáculos, aliado à sua distribuição em larga escala, é de extrema importância, por motivos óbvios. Pra quem realmente se interessa por teatro e não se satisfaz em ver só o que tem na sua cidade, a disponibilidade de espetáculos na Internet seria uma ótima solução.
Penso que a especificidade não é mais uma questão. Os problemas agora são outros. O teatro que se faz atualmente (e por atualmente quero dizer há décadas) já está completamente atravessado por outras artes. Mas não deixa de ser teatro. E assistir teatro pela Internet é assistir teatro. Assisitr uma peça ao vivo, da primeira fila de uma plateia de uma sala de espetáculos, também é assistir teatro, por mais que a peça possa parecer uma novela ou um programa de humor da TV aberta.
"Hygiene", do XIX, na foto de Felipe Vidal: crítica no QdC |
Sobre a revista eletrônica Questão de Crítica:
Nesse momento, depois de três anos de atividade constante, penso que estamos impulsionando a formação de um corpus crítico, de uma geração de críticos que há dois ou três anos não escrevia críticas. Esse está sendo o nosso começo. Sem um grupo de pesquisadores que queira tomar essa responsabilidade para si, nada é possível.
No Rio de Janeiro, vivemos uma situação de enorme discrepância entre uma produção artística de artes cênicas muito interessante, que está ligada à pesquisa e à experimentação, e um grupo de críticos, jurados de prêmios, avaliadores de projetos e programadores de teatro que parece estar satisfeito com o que já sabe e já conhece, e que só valida e prestigia o que se adequa a modos engessados de fazer.
Um norte da Questão de Crítica é estar disponível para as propostas dos artistas, estar vivendo na mesma época que eles, ver e compartilhar as questões que partem das obras – as obras de hoje. Não nos interessa o culto à personalidade do crítico, o lugar de superioridade ou de conhecimento. Não achincalhamos ninguém, mas também não bajulamos ninguém – não jogamos esse jogo. O que nos interessa é a movimentação do pensamento sobre as artes cênicas.
Um comentário:
lucidez e clareza!
que bom ler vcs!
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