quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Festival de Curitiba, reforçado e ampliado

por Luciana Romagnolli

Fiel como sempre à sua natureza "democrática", interessada em agradar paladares distintos acima de tudo, o Festival de Curitiba chegou aos 20 anos com 31 espetáculos na Mostra Contemporânea (e prefiro nem saber quantos no Fringe, sem desprezo pela mostra paralela).

Excelente para Curitiba receber tantos visitantes, ainda mais porque os outros 11 meses do ano são de escassez de espetáculos de fora. Só me preocupa que as peças concorram entre si por um público impossibilitado de pagar por muitas (a R$ 50 cada ingresso) e acabem com suas plateias desfalcadas.

Com 19 espetáculos vindos do Rio de Janeiro, será um ano de absoluta predominância carioca. Justa,  em certa medida, ao menos, pelas notícias que chegam de críticos de São Paulo e do Rio sobre a força da produção recente no estado.

Algumas coisas não são novidades, e uma delas é que o festival continua focado em poucos territórios: oito paulistas, um mineiro, nenhum paranaense, um potiguar e um mato-grossense. Para facilitar a conta, 27 peças se originam no eixo RJ-SP. A vaga internacional foi para a Argentina.

A direção manifesta neste ano a intenção de valorizar a produção de companhias estáveis e da dramaturgia brasileira. Percebe-se mesmo a consolidação da presença de grupos que já vinham se habituando a mostrar seus trabalhos em Curitiba e, com isso, formando público cativo na cidade: o Armazém, o Galpão, os Satyros e a Sutil, entre eles. Retornam também montagens de nomes mais que conhecidos por lá, como Hugo Possolo, Claudio Botelho e Charles Mueller, Debora Colker, Denise Stoklos, Monique Gardenberg, Gilberto Gawronski, Moacir Chaves e Gabriel Villela. E alguns novos em ascensão, entre os quais se destacam o dramaturgo Jô Bilac (de quem se viu no ano passado "Rebu" e "Cachorro!") e o diretor Pedro Brício.

O Festival de Curitiba oferece, nesta edição comemorativa, uma versão ampliada e reforçada do que serviu ao público nesses 20 anos.

Veja lista completa da Mostra Contemporânea:

Rio de Janeiro
A História do Homem que Ouve Mozart e da Moça do Lado que Escuta o Homem: direção de 
Luiz Antonio Rocha
Adultério: Cia. Atores de Laura, direção de Daniel Herz;
Antes da Coisa Toda Começar: Cia. Armazém, direção de Paulo de Moraes;
As Próximas Horas Serão Definitivas: direção de Gilberto Gawronski e texto de Daniela Pereira 
de Carvalho;

Comédia Russa: Os Fodidos Pivilegiados, direção de João Fonseca; 
É Com Esse Que Eu Vou: direção de Cláudio Botelho e Charles Möller;
Estilhaços: direção de Eduardo Wotzik; 
Labirinto: Anfandega 88 Cia de Teatro, direção de Moacir Chaves;
Ligações Perigosas: Direção de Mauro Baptista Vedia;
Marina: Cia PeQuod de Teatro de Animação, direção de Miguel Vellinho;
Marlene Dietrich – As Pernas do Século: Direção de William Pereira;
Me Salve, Musical!: Cia. Zeppelin, direção de Pedro Bricio;
O Livro: direção de Christiane Jatahy; 
Pedras nos Bolsos: direção de David Herman;
Savana Glacial: direção de Renato Carrera e texto de Jô Bilac;
Sete Por Dois: direção de Stella Miranda
Sonhos para Vestir: direção de Vera Holtz;
Tathyana: Cia. Deborah Colker;
Um Coração Fraco: direção de Priscilla Rozenbaum;

São Paulo

"..." (Reticências): Cia. dos Pés (São José do Rio Preto);
DNA: com o Grupo Circo Roda, direção de Hugo Possolo; 
Édipo: direção de Elias Andreato;
Inverno da Luz Vermelha: direção de Monique Gardenberg;
O Último Stand Up: Os Satyros, direção de Fabio Mazzoni;
Os 39 Degraus: direção de Alexandre Reinecke;
Preferiria Não?: de Denise Stocklos; 
Trilhas Sonoras de Amor Perdidas: Cia. Sutil, direção de Felipe Hirsch;



Minas Gerais
Tio Vânia: Grupo Galpão, direção de Yara de Novaes;


Mato Grosso
Anjo Negro: Cia. Teatro Mosaico;

Rio Grande do Norte
Sua Incelença, Ricardo III: Clowns de Shakespeare, direção de Gabriel Vilella;


Argentina
Tercer Cuerpo: Direção de Claudio Tolcachir. 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Cia. Brasileira convida Espanca!, Club Noir e franceses ao Fringe

por Luciana Romagnolli

A Companhia Brasileira de Teatro divulgou a programação especial que vai realizar durante o Fringe, de 31 de março a 10 de abril, na sua sede, instalada no Largo da Ordem. Em vez de receber outros espetáculos -- algo que o espaço não comportaria, já ocupado pelo cenário da peça "Oxigênio", dirigida por Marcio Abreu --, vai promover trocas de ideias e de convivência artística, com convidados nacionais e internacionais, como os mineiros do Espanca!, a paulista Club Noir, e os diretores franceses Thomas Quillardet e Pierre Pradinas, unidos para compartilhar textos e abordagens norteados pela busca do ineditismo.

Acompanhe a programação:



"Oxigênio" (FOTO de Elenize Desgeniski, leia mais aqui e aqui) será encenada dias 31 de março, às 24h, dia 1° de abril, às 24h, e dias 2 e 3, às 21h e 24h. Texto Ivan Viripaev. Direção de Marcio Abreu. Com Patrícia Kamis, Rodrigo Bolzan e Gabriel Schwartz ou Vadeco.


Lanche com Leitura -- Textos Inéditos

Dia 6 de abril, às 17h
"Fatia de Guerra", de Andrew Knoll. Com Juliana Galdino e direção Roberto Alvim, da Cia. Club Noir.

Dia 7 de abril, às 17h
"El Líquido Táctil", de Daniel Veronese. Direção Grace Passo. Com o Grupo Espanca!.

Dia 8 de abril, às 17h
"Isso te Interessa?" (a partir do texto “Bon, Saint Cloud”, de Noëlle Renaude), com a Companhia Brasileira de Teatro

"Torradas, Tragédias e Geléias", de (e com) Bianca Ramoneda.

*A entrada será franca.


Oficinas:
  
Práticas de Idéias Teatrais. Dias , 1, 2 e 3 de abril, das 10h às 13h. Com Grupo Espanca (MG).

Oficina que busca o estudo de princípios de atuação, cênicos e dramatúrgicos, utilizados nas criações do grupo Espanca!, através da proposição de “ideias teatrais” a serem desenvolvidas pelos participantes. Propõe-se também a reflexão da formação de um ator que reavalie freqüentemente em seu trabalho, os códigos do acontecimento teatral.

O Ator Autor. Dias  5, 6 e 7 de abril, das 10h às 13h.
Com Thomas Quilladert (Paris, França).

A força criativa e narrativa do ator diante do público. O diretor Thomas Quillardet integra as companhias Jakart/ Mugiscué, sediadas em Paris, que vem realizando intercâmbios culturais com a companhia brasileira desde 2005.


Interpretação(ões). Dias 8, 9 e 10 de abril, das 10h às 13h.
Com Pierre Pradinas (Limoges, França).

O diretor francês realizará um trabalho a partir de dois textos curtos, para extrair diferentes interpretações cênicas, num grande exercício de criatividade para o ator.

*Inscrição pelo email:  contato@companhiabrasileira.art.br

 A sede da Cia. Brasileira de teatro fica na Rua José Bonifácio, 135 sala 1 – Largo da Ordem, (41) 3223-7996.



Ivam Cabral leva "Conexão Roosevelt" e "O Último Stand-Up" a Curitiba

por Luciana Romagnolli



Ivam Cabral, dramaturgo e ator d'Os Satyros, confirmou que será programador do Teatro HSBC durante o Fringe, mostra paralela do Festival de Curitiba, que acontece de 29 de março a 10 de abril. Sua programação se chamará "Conexão Roosevelt" e leva à cidade "uma pequena – mas significativa – amostra da produção teatral" da Praça Roosevelt, em São Paulo.

Ivam diz: "Os espetáculos contam com a participação de artistas emblemáticos da Praça, como Francisco Carlos, Mário Bortolotto, Marcelo Rubens Paiva, Lulu Pavarin, Cesar Ribeiro , Priscila Nicolielo entre outros que contribuem de maneira fundamental para a 'movida' teatral da Praça. O projeto abre uma única exceção e convida a Cia. Íntima, fundada em Curitiba e com sede no Rio de Janeiro, para apresentar 'Ana e o Tenente', texto de Rafael Camargo e direção de Joelson Medeiros".

Além disso, os Satyros participam da Mostra Contemporânea com o espetáculo "O Último Stand-up" (foto de Bob Souza), que leva adiante a investigação sobre o cotidiano dos "anônimos" do centro paulistano, desta vez, retratando a vida dos sem-teto -- invasores de prédios abandonados, um dos principais problemas urbanísticos da região. 

A peça se inspira no poema dramático “Pátroclo e o Destino”, de Marguerite Yourcenar, que transpõe o mito grego envolvendo os dois primos para uma guerra contemporânea, a começar por um número de stand-up patético realizado pelos amigos Aquiles, Pátroclo e Pentesiléia, no Viaduto do Chá. De lá, partem para o  prédio invadido, onde vão comer. Mas as chuvas torrenciais de janeiro prenunciam a tragédias das enchentes. "Trabalhando com imagens e movimentos coreografados, o espetáculo pretende tornar-se uma experiência multissensorial, onde várias manifestações artísticas são reveladas", diz o material de divulgação.

A dramaturgia é de Ivam Cabral, que atua ao lado de Laerte Késsimos, Silvia Wolff e Carlinhos Mazzoni. Fabio Mazzoni faz a direção e a iluminação. A direção de movimento é de Sandro Borelli, a construção do espaço cênico, de JC Serroni, firurinos de Telumi Helen e direção musical de Carlinhos Mazzoni.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Teatro Adulto exibe a dor de amantes enlutados

por Luciana Romagnolli


Havia em "Fala Comigo como a Chuva" uma construção nuançada de imagens poéticas que emprestava ao espetáculo do grupo Teatro Adulto a força e a sensibilidade envolvidos em um desencontro amoroso, desde a partitura corporal comprobatória da intimidade a dois à profusão da água como elemento simbólico da fluidez amorosa e da crise desesperadora. 

São sutilezas que não encontram analogia na montagem mais recente do grupo, "A Última Canção de Amor deste Pequeno Universo" (foto de Guto Muniz), em cartaz pelo Verão Arte Contemporânea.

Ao adaptar ao palco o romance "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de Goethe, a diretora e dramaturga Cynthia Paulino optou por levar às últimas consequências o sentimento do título. 

Palco e elenco foram recobertos de preto, ao passo que os atores se expressam todos no mesmo registro vocal grave abalado e a partitura corporal se funda, desta vez, numa gramática centrada na gestualidade suicida. 

A consequência dessa sobrecarga gótica e enlutada é o hiperrealce - estilizado - do ato de sofrer, afastado do ardor amoroso e do ser amado. Uma coreografia para exibir a dor.
Embora coloque todos em cena (Goethe e Werther, Carlota e o marido, Alberto, e até o Destino) numa dramaturgia que reprocessa a literatura inserindo as trocas de cartas entre o escritor alemão e seu rival, Cynthia recusa para a moça a figura de musa, preferindo retratá-la como atingida por dor tão absoluta quanto Goethe e seu alter ego Werther. 

Por essa escolha, o encanto que Carlota teria exercido sobre três homens nunca se materializa na sua linguagem corporal, desprovida de graça ou leveza, nem na expressão, carrancuda. 
O amor, portanto, está fora de questão. Ao menos as primeiras etapas inebriantes do amor romântico, sem as quais ninguém chegaria ao desmonte suicida. Desde sempre, é luto.

A falta de um fio que una Carlota a Werther ou a Goethe é sintoma de relações que não se estabelecem na contracena. Os atores pouco se olham ou se tocam - e, quando unem os corpos, não há veracidade no encontro. Cada um está entregue à autocomiseração e imerso na própria dor egoica. Sobretudo o Destino, papel de Luiz Arthur, fica sem função.

Essa fragilidade é também da tessitura dramatúrgica. As cartas redundam a narrativa ficcional, entrecortadas mais para cumprir uma tendência contemporânea ao efeito de embaralhamento entre real e ficcional do que atendendo a uma necessidade interna de significação. 


*Texto publicado no jornal O Tempo.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

"Acho a possibilidade de transmitir espetáculos pela internet incrível", diz Daniele Ávila

por Luciana Romagnolli

Na terceira parte do post sobre as relações do teatro com a internet, Daniele Ávila, editora da revista eletrônica Questão de Crítica, defende a transmissão de espetáculos e fala da recente formação de um corpus crítico na internet.
 
"Descartes com Lentes", solo de Nadja Naira analisado na Questão de Crítica 
  
O teatro sobrevive quando transposto em vídeo para a internet?

Daniele Ávila - Sem dúvida, o teatro sobrevive, mas não apenas isso. Não acho que se trate de uma sobrevida ou de um simulacro de experiência. A produção de imagens audiovisuais a partir de uma montagem teatral pode gerar uma outra forma de dar a ver aquela criação e isso pode ser muito interessante.  

Por outro lado, a possibilidade da transmissão ao vivo coloca questões relevantes para o teatro, tanto para o pensamento da encenação quanto para a condição do espectador. Acho que qualquer forma de arte se alimenta e se renova a partir dos problemas que a sua época lhe apresenta. A Internet abre todo um universo de possibilidades de compartilhamento de conhecimento, de pensamento, de produtos culturais, e isso coloca em cheque algumas premissas básicas dos nossos modos tradicionais de fruição das obras. A Internet está embaralhando nossas noções de presença, de convivência, de interação – e ainda estamos aprendendo a lidar com essas mudanças. Há quem veja nisso um prato cheio para se livrar de velhas amarras e há quem não consiga fazer outra coisa além de choramingar e reclamar que as coisas não são mais como antigamente.

Além disso, ninguém parece questionar a legitimidade do teleteatro dos anos 50, formato importado da TV norte-americana e imediatamente admirado no Brasil, a que muitos se referem hoje com uma boa carga de saudosismo – os mesmos que provavelmente desconfiam da transmissão de peças via web.

Acho a possibilidade de transmitir espetáculos pela Internet incrível. Pra quem  mora numa cidade em que dezenas de teatros funcionam a todo vapor, é fácil dizer que a experiência só é legítima quando você está literalmente presente no espaço e no tempo da apresentação. Mas a realidade da esmagadora maioria de municípios brasileiros é bem diferente. E muitos dos que têm um equipamento cultural razoável não contam com uma programação intensa e diversificada de teatro. A questão da ampliação do acesso pela Internet é uma realidade. E o registro de espetáculos, aliado à sua distribuição em larga escala, é de extrema importância, por motivos óbvios. Pra quem realmente se interessa por teatro e não se satisfaz em ver só o que tem na sua cidade, a disponibilidade de espetáculos na Internet seria uma ótima solução.

Penso que a especificidade não é mais uma questão. Os problemas agora são outros.  O teatro que se faz atualmente (e por atualmente quero dizer há décadas) já está completamente atravessado por outras artes. Mas não deixa de ser teatro. E assistir teatro pela Internet é assistir teatro. Assisitr uma peça ao vivo, da primeira fila de uma plateia de uma sala de espetáculos, também é assistir teatro, por mais que a peça possa parecer uma novela ou um programa de humor da TV aberta.



"Hygiene", do XIX, na foto de Felipe Vidal: crítica no QdC

Sobre a revista eletrônica Questão de Crítica:

Nesse momento, depois de três anos de atividade constante, penso que estamos impulsionando a formação de um corpus crítico, de uma geração de críticos que há dois ou três anos não escrevia críticas. Esse está sendo o nosso começo. Sem um grupo de pesquisadores que queira tomar essa responsabilidade para si, nada é possível.

No Rio de Janeiro, vivemos uma situação de enorme discrepância entre uma produção artística de artes cênicas muito interessante, que está ligada à pesquisa e à experimentação, e um grupo de críticos, jurados de prêmios, avaliadores de projetos e programadores de teatro que parece estar satisfeito com o que já sabe e já conhece, e que só valida e prestigia o que se adequa a modos engessados de fazer.

Um norte da Questão de Crítica é estar disponível para as propostas dos artistas, estar vivendo na mesma época que eles, ver e compartilhar as questões que partem das obras – as obras de hoje. Não nos interessa o culto à personalidade do crítico, o lugar de superioridade ou de conhecimento. Não achincalhamos ninguém, mas também não bajulamos ninguém – não jogamos esse jogo. O que nos interessa é a movimentação do pensamento sobre as artes cênicas.

Valmir Santos e Lucianno Maza falam sobre teatro e internet

por Luciana Romagnolli

Continuo o post abaixo, com as opiniões de mais dois críticos de teatro sobre as relações desta arte com a internet. Primeiro, fala o carioca Lucianno Maza, dramaturgo, diretor e crítico do Caderno Teatral. Logo abaixo, estão as respostas do Valmir Santos, crítico paulista que mantém o site Teatro Jornal.

"Pororoca", peça-tema de Lucianno Maza no site Caderno Cultural

Experiência com crítica online
Mantenho o site Caderno Teatral, onde sou editor. Minhas críticas também são continuamente distribuídas pela agência de notícias BR Press e publicadas em veículos como o portal Yahoo! Brasil. Acredito que a principal diferença do material produzido na internet para o publicado em impressos é a liberdade de espaço (relativa em grandes portais) permitindo assim que questões sejam esmiuçadas mais profundamente resultando num texto ainda mais rico.

Possibilidades
Sem dúvida a internet atua como um grande arquivo geral do mundo e o teatro, arte efêmera por natureza, encontra na rede um espaço para arquivar sua História através de registros fotográficos, textuais - como a crítica - e audiovisuais de espetáculos. O acesso é democratizado. Da mesma forma, o campo livre da web abre espaço para o debate do teatro entre interessados e fomenta a criação de blogs sobre o assunto. Por fim, hoje a internet é o principal meio de divulgação de espetáculos, cumprindo papel de mídia livre e canal de marketing direto.
 
Preconceito
Infelizmente o teatro ainda não tem grande espaço na internet. Em parte por ser uma das artes que atinge menor número de pessoas e é restringido a um local (despertando portanto menor interesse). Também é preciso mencionar que o atraso nesta relação se deve à muitos artistas de teatro que ainda têm preconceito (ou medo) com as novas tecnologias, rivalizando com a internet por considerarem o artesanal do teatro incompatível com a rede - sendo essa o maior reflexo de nosso tempo globalizado. Independente do julgamento de valor, o movimento de stand-up comedy no Brasil é um exemplo bem sucedido de relação com a internet, tendo se alimentado dela e também a alimentando e formando pela rede um público novo. Seria interessante flertar mais abertamente com as possibilidades seja como suporte artístico ou, ao menos, como canal de comunicação direta com o público para além da mera divulgação.


"Cachorro", peça disponível no Cennarium
 

Indicações
O trabalho do Michel Fernandes no Aplauso Brasil, além dele críticos gabaritados como Afonso Gentil, Maria Lucia Candeias - que vêm de veículos tradicionais - e outros já da nova era digital como Ruy Jobim Neto assinam boas críticas. Não me recordo de nenhum site de grupos, mas chamo atenção para o canal direto de integrantes destes com o público através dos blogs, é o caso do Mário Bortolotto, do Cemitério de Automóveis, e do Ivam Cabral, dOs Satyros, por exemplo.

Streaming e apresentações na web
Sou totalmente a favor do teatro na internet e das experimentações que viabilizem isso. Tem o Cennarium, por exemplo, que filma em boa qualidade as peças em cartaz e disponibiliza ao público como entretenimento mas que, futuramente, terá um valor ainda maior de registro histórico - espero que disponibilizado gratuitamente. Quanto à linguagem, o Teatro Para Alguém tem buscado uma fórmula inovadora de decodificar o teatro para o vídeo pensando no espectador de internet. O hibridismo de linguagens apontado pelo TPA é uma possibilidade de levar o teatro para a rede encontrando um sentido pra ele dentro dessa nova linguagem.

*

Valmir Santos comenta sua experiência no Teatro Jornal , site que criou após anos no jornal Folha de S. Paulo, e as mutações pelas quais a recepção de espetáculos passa.

"Alguns Leões Falam": Valmir Santos comenta a dramaturgia  

Distinções
A mudança mais notória, e mais difícil para quem aprendeu a nutrir o distanciamento no fazer jornalístico, foi o uso da primeira pessoa. É uma liberdade que nos coloca ainda mais consequentes com a responsabilidade sobre aquilo que escrevemos. No início, imaginava que a web seria um território fértil para um registro mais ensaísta, textos longos, mas, nove meses depois, vejo que nem sempre esse mergulho é possível; a instantaneidade se impõe também.

Streaming e apresentações na web
Essa questão é complexa porque ainda estamos no calor das mutações na recepção do espetáculo. Em princípio, a transmissão simultânea de uma apresentação dialoga com a presença viva dessa arte, encontra eco com a multidão da arena ou da ágora gregas hoje sincronizadas na rede mundial de computadores. Já os arquivos dos espetáculos que viriam a ser fruído feito DVD, aí são outros quinhentos. Percebo esse campo mais próximo do acervo, do registro histórico, da memória de um espetáculo e dos seus criadores. Habituar o espectador a não sair de casa para assistir ao teatro gravado numa gaveta virtual soa um tanto anacrônico, trai a essencia da arte viva, a alteridade do encontro público com outros que não conhecemos uma experiência em comum.

E lembro ainda uma outra aproximação do audiovisual com as artes cênicas como fusão de linguagens que resulta numa terceira via mais auspiciosa, como vem tateando o projeto Teatro para Alguém. Há ali uma teatralidade específica, porque artistas de cena estimulados a escrever, atuar, dirigir, enfim, a vivenciar histórias captadas por câmaras e recortes, digamos, teatrais do cinema e do vídeo... Vamos ver no que dá tudo isso.

Macksen Luiz e Daniel Schenker falam sobre teatro no ambiente virtual

por Luciana Romagnolli

Publiquei hoje no O Tempo uma matéria sobre como o teatro aproveita as possibilidades da internet. Entrevistei uma porção de críticos de teatro a quem admiro. Com o espaço exíguo lá, boas respostas ficaram de fora, coloco-as aqui. A começar por Macksen Luiz, crítico do Jornal do Brasil, que acaba de criar seu blog. E, abaixo, seu colega Daniel Schenker.



"Barba Azul", sobre o qual Macksen Luiz escreve em seu blog

O que o motivou a criar um blog e escrever críticas na internet, depois de tantos anos fazendo críticas teatrais para veículos impressos? A partir dessa nova experiência, pode me dizer no que o blog se difere da crítica praticada em veículos impressos?

Macksen Luiz - Ainda é uma experiência muito recente para mim. Criei o blog há menos de um mês, e ainda que o jornal em que escrevia se transformou em digital, a plataforma não estava plenamente implantada com as suas reais possibilidades. O blog permite maior liberdade para que se opine em linguagem mais direta e na frequência que se quer, ou que se acredite oportuna. São possibilidades novas e aliciantes.

Pelo que você observa, de um modo geral, que possibilidades a internet (a blogsfera, os fóruns virtuais etc) apresenta para a disseminação, debate ou preservação da memória e do presente do teatro?

Tanto acredito neste aspecto de preservação da memória e do presente do teatro, que criei no meu blog o que intitulei de Palco Nostálgico, em que retomo aspectos do passado teatral, registrados na época em que os analisei. Com o apoio de fotografias, os textos adquirem amplitude visual na fixação histórica. Em relação a atualidade, a agilidade que esses meios oferecem, possibilitam que as críticas sejam postadas em seguida à ida ao teatro. É quase o revival da prática da primeira crítica, dos bons tempos dos espaços amplos dos jornais para a crítica teatral, e para relembrar as tensões dos elencos americanos que esperavam, ansiosamente as críticas dos jornais, horas depois das estréias.


Fernanda Montenegro, como Petra, na temporada de 1982

Vejo uma profusão de sites e blogs de crítica de cinema, discutindo a fundo suas vertentes... Você considera que o teatro ocupa bem o ambiente virtual? Falo da crítica, sobretudo, mas também dos artistas (com sites de grupos) e até do público.

Para o teatro, sites e blogs ainda são recentes. Estão experimentando. O exercício da crítica teatral  exige uma recepção que ultrapassa as meras indicações, obrigando a quem a exerce, uma sedimentação de conceitos e a quem a lê, uma escuta mais detalhada. Há que atender a ambas. Críticos, grupos, artistas.  

Por outro lado, surgem iniciativas de tentar aproveitar o ambiente virtual para transmitir espetáculos. Algumas companhias têm feito isso via streaming (ao vivo): a Silenciosa, de Curitiba, já o fez com um espetáculo performático que se passava em um bar, "Burlescas", transmitindo ao vivo pela internet. Zé Celso fez o mesmo recentemente. Ao mesmo tempo, alguns teatros gravam apresentações e armazenam os vídeos na internet, cobrando ou não para que o internauta os veja. Na sua opinião, o teatro sobrevive quando transposto em vídeo para a internet? E ainda que perca sua especificidade e se transforme em outra coisa, são iniciativas legítimas para ampliar o acesso e a memória de espetáculos?

Tal como meios tradicionais (cinema, vídeo), também o ambiente virtual tem limitações para captar espetáculos teatrais. É da natureza da cena, a sua especificidade física, de confronto, de recepção "corpo-a-corpo", é uma arte vivificada pela presença.Acredito que os chavões de "ampliação de público", "acesso ao teatro" e outras balelas ouvidas há décadas, nada têm a ver com meios de divulgação. Ampliação de público tem a ver com educação. Quanto a memória, o teatro agradece os registros. 

*

Daniel Schenker escreve sobre "Senhora dos Afogados" 

Outro entrevistado carioca foi o crítico Daniel Schenker, colega de Macksen no Jornal do Brasil, de quem reproduzo as respostas em tópicos:

Experiência online
"Escrevo para os sites http://www.criticos.com.br/, http://www.questaodecritica.com.br/ e http://www.jb.com.br/. Os sites tendem a libertar o crítico da limitação de espaço dos veículos impressos, ainda que se ouça com frequência que o leitor não gosta de se deparar com textos muitos longos na internet. Mas como não sou submetido a uma forma muito rigorosa nos veículos impressos para os quais escrevo, a diferença, no meu caso, não é gritante."

Virtual e Impresso
Acho que há iniciativas importantes tanto para a reflexão quanto para a preservação da memória nos meios impressos e virtuais. No primeiro caso posso citar revistas como a Folhetim, da companhia Teatro do Pequeno Gesto, a Vintém, da Cia. do Latão, e, numa proposta mais jornalística, a Revista de Teatro da Sbat; no segundo, a questaodecritica. Ou seja: não me parece que o impresso ou o virtual sejam determinantes.

Streaming e espetáculos na web
"Eu não me sinto autorizado a marcar oposição a iniciativas como registro e transmissão de espetáculos na internet. Mas ouço com certo temor iniciativas como estas numa época de fascínio pelo virtual, por vivenciar experiências em frente ao computador. E me soa estranho em relação ao teatro, uma manifestação artística cuja especificidade é a presença ao vivo do ator diante do espectador. Em todo caso, o mais importante nisso tudo é a possibilidade de registro. Os pesquisadores de teatro normalmente sofrem com a falta de registros (ou com a precariedade deles) quando se debruçam sobre décadas passadas, mesmo que dificilmente o espetáculo gravado reproduza ipsis litteris a encenação ao vivo."

sábado, 5 de fevereiro de 2011

"O Galpão está saindo da sua zona de conforto"

por Luciana Romagnolli

Conversei esta semana com o Eduardo Moreira, ator do Grupo Galpão, sobre os ensaios de "Tio Vânia - Aos que Vierem depois de Nós". Transcrevo alguns trechos: 
Eduardo Moreira vai interpretar o médico Ástrov

Estreia
"Passamos por uma primeira fase, ano passado, de estudo das cenas da peça. Foi um trabalho de dois meses sobre os personagens e situações. Agora, estamos na fase da montagem, de levantar o espetáculo, com uma concepção do espaço e do figurnino, um estudo geral da situação da peça. Provavelmente, estreia em começo de abril, não está certo ainda, mas estamos em entendimento para o Festvial de Curitiba. Precisaríamos de mais tempo de ensaio lá, não é o ideial estrear em Curitiba, o ideal é que tivéssemos um tempo mais traquilo para amadurecer o espetaculto aqui no Cinehorto, mas acredito que deva estrear lá sim."

"Tio Vânia"
"É sim uma decorrência de "Moscou" (documentário feito com Eduardo Coutinho, a partir dapeça "As Três Irmãs", do Tchékhov). Claro que, quando convidamos a (diretora) Yara de Novaes, passamos por diversas fases. Tentamos fazer "Volta ao Lar", do Harold Pinter, não conseguimos os direitos. Era desejo do Galpão e da Yara mergulhar em um universo mais intenso de personagens, como Tchékhov propõe: um teatro mais do personagem, do ator. Acabamos encontrando uma adaptação do "Tio Vânia" feita pelo (diretor espanhol) Daniel Veronese: "Espía una Mujer que se Mata". Essa leitura (da peça escrita) veio dentro de uma busca por autores mais contemporâneos, passamos por chilenos, o que nos levou ao "Tio Vânia", voltamos ao Tchékhov... a vida é assim, dá voltas."

"Moscou", documentário de Eduardo Coutinho

Adaptação
"A gente tirou um personagem, a ama, mas as adaptações forma num certo sentido as naturais de um grupo de atores que se debruça sobre uma obra. Acho que mantém estrita fidelidade ao espírito da obra. Tira muito as referências à Russia, é uma situação que poderia estar acontecedo em qualquer propriedade rural do mundo, de Minas Gerais."

Realismo

"É um caminho difícil. O Galpão está, mais uma vez, saindo da sua zona de conforto - ou a mais conhecida, a que domina mais - em busca de uma interpretação realista. Com foi no "Pequenos Milagres" (dirigido por Paulo de Moraes, do Grupo Armazém), mas com uma obra mais completa, porque o "Pequenos Milagres" tinha cenas curtas, agora é uma obra de uma hora e meia com persoagens o tempo inteiro em cena, um mergulho mais profundo. Contamos com a vivência e a contribuição da Yara, que é uma diretora muito inquieta em relação ao teatro. Esse encontro está sendo muito provocativo para nós."

"Pequenos Milagres", montagem dirigida por Paulo de Moraes

Transformação
"A nossa adaptação, provavelmente, vai se chamar "Tio Vânia - Aos que Vierem depois de Nós". A nossa leitura coloca isso tudo (aporia, virada social etc), mas, também por ser uma obra muito completa e cheia de subterfúgios, vai realçar muito uma crença do Tchékhov, a partir desses personagens e situações, de que a arte abre essa possibilidade de transformação do mundo e de criação de um homem mais gentil, bem educado, que se relaciona com a natureza de maneira mais saudável. Tenho lido tudo da obra dele em português e é um autor de uma atualidade incrível, trata de temas, no final do século 19, que parecem escritos para hoje, a questão da miséria do ser humanao, da mulher, da natureza, sempre com essa crença um pouco descrente numa possibilidade de construção de um homem melhor e de uma sociedade mais humana. E a forma (como escreve) é muito atual. Foi tão fundo no naturalismo que colocou a forma num certo paradoxo, numa encruzilhada."

Divisão para montar dois Tchékhov
"Da montagem dos contos (também de Tchékhov, planejada para dezembro), eu não participo. Essa é uma fórmula nova que o grupo está procurando, de criar montagens mais rápidas, com mais agilidade. Promove uma divisão do grupo. Como a próxima estreia em dezembro, no período em que eles estarão montando, nós estaremos viajando. Apesar de que vai ser feita com um diretor russo (Yurij Auschtiz), começa com uma oficina com o grupo inteiro, por ser importante, nesse momento, que as duas montagens dialoguem entre si. A divisão foi natural, uma opção individual de cada ator, e curiosamente foi metade para a primeira e metade para a segunda. Precisávamos de mais uma atriz e convidamos a Mariana Muniz."

Elenco de "Tio Vânia"
Eduardo Moreira: o médico Ástrov
Antonio Edson: tio Vânia
Mariana Muniz: Sônia
Arildo de Barros: Serebriakov
Fernanda Vianna: Helena
Teuda Bara: Maria, mãe do tio Vânia
Paulo André: Teleguine

Mineiros no Festival de Curitiba

por Luciana Romagnolli

"Elizabeth Está Atrasada", da Primeira Campainha, vai ao Fringe

Aqui por Belo Horizonte chegam algumas notícias do Festival de Curitiba, e parece que muita coisa ficou para ser resolvida na última hora. Se o Galpão vai ou não estrear "Tio Vânia - Aos que Vieram depois de Nós" na Mostra Contemporânea? Até o último contato que fiz com eles, para a matéria do post abaixo, eles não sabiam. "Provavelmente..." Tudo depende de condições mais ou menos adequadas para a estreia. Mas essa não é uma decisão que poderá ser protelada muito mais tempo, em breve saberemos.

Por causa da rotina apertada neste início de ano com o grupo, Chico Pelúcio abdicou de ser um dos programadores do Fringe. Ao que consta, Ivam Cabral, dos Satyros, assumiu o posto. Lamento que não se somem mais programadores, realmente acredito no formato, ainda mais se o convidado puder se dedicar a fazer uma seleção criteriosa com um olhar artístico, mais do que reunir alguns amigos.

"A Última Canção de Amor ...", com Luiz Arthur e Cynthia Paulino

Mesmo sem a mediação de Pelúcio, alguns grupos mineiros já confirmaram a participação no Fringe. O Teatro Adulto, que se destacou na edição 2009 com "Fala Comigo como a Chuva", volta com uma adaptação do romance "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de Goethe, batizada como "A Última Canção de Amor deste Pequeno Universo" (leia reportagem sobre a peça).

A atriz Marina Arthuzzi, que encena até amanhã "A Pequenina América e sua Avó $ifrada de Escrúpulos" no Verão Arte Contemporânea, confirmou a ida com dois espetáculos, para o Mini-Guaíra. Um deles é  "Elisabeth Está Atrasada" (em BH, a peça terá sessões às segundas-feiras 15, 22 e 29 de março e 5 abril, no Teatro Alterosa). O outro é "Sobre Dinossauros, Galinhas e Dragões", a respeito do qual meu amigo Miguel da Anunciação, crítico do jornal Hoje em Dia, escreveu aqui.

O político e o humano

por Luciana Romagnolli
*Matéria publicada no jornal O Tempo.


A obra do contista e dramaturgo russo Anton Tchékhov (1860-1904) gera uma pluralidade de leituras, ora políticas, ora intimistas, nos palcos de Belo Horizonte. Seus escritos servem à crítica social, como o Grupo Oficcina Multimédia faz em "As Últimas Flores do Jardim das Cerejeiras" - em cartaz no Verão Arte Contemporânea (VAC) -, usufruindo do teor social de uma peça que captura as transformações de classe.

Em outro momento, cabem na abordagem interiorizada das relações afetivas, como interessou à Cia. Clara no espetáculo "Nada Aconteceu", do ano passado, dirigido por Anderson Aníbal, adaptando o conto "A Dama do Cachorrinho". "São conflitos comuns, como os nossos", diz o diretor, definindo o próprio olhar para a complexa obra do russo. "Sou muito burguês nesse sentido, trabalho com as questões de dentro de casa, nunca parti para uma temática política".

Ou então os escritos de Tchékhov provocam leituras que tendem ao equilíbrio, como parece ser a proposta do Grupo Galpão ao ensaiar "Tio Vânia", com previsão de estreia em abril. "Vamos realçar a crença de que a arte abre a possibilidade de transformação do mundo e de um homem mais gentil", adianta o ator Eduardo Moreira.

Abstração. No caso da montagem do Grupo Oficcina Multimédia, a peça "O Jardim das Cerejeiras" (1904) é apenas a matéria-prima para uma recriação que traduza o texto em símbolos e imagens, a partir da crença de que a palavra escrita perde força ao ser ouvida.

"O Oficcina Multimédia sempre foi interdisciplinar. Minha formação é musical, nunca tive um vínculo muito forte com o texto, mas, sim, com o som, o movimento e um universo de certa abstração. Imagem é texto, para mim", diz a diretora Ione de Medeiros.

A essência da peça, conforme compreendida pelo grupo e transposta em cena, revela o impasse histórico causado por uma nova ordem social na qual a aristocracia faliu repentinamente, com seus valores e requintes, enquanto os camponeses emergem no poder anunciando o que será a Revolução Russa de 1917.

Livremente, o grupo mantém o ideário, mas abandona o drama moderno realista, fundado nos diálogos e na aporia (a aparente paralisia, quando qualquer ação impulsionada pela vontade é anulada), em troca de uma construção visual e sensorial. "Faz parte da contemporaneidade ampliar as possibilidades de expressão que as rupturas do início do século XX abriram para o trabalho autoral", diz Ione.

A escrita de Tchékhov traz, em si, a riqueza de imagens. Exemplo é o corte das cerejeiras em plena floração, que dura não mais de 15 dias. "É o máximo da violência", comenta Ione, lembrando que as cerejeiras são símbolo da transitoriedade no Oriente, o que a motivou a adotar uma estética identificada à oriental. O cenário ganha forma de labirinto habitado por um minotauro - representante da morte, do renascimento e da dificuldade de encontrar uma saída.

"Tchékhov usa a metáfora de uma família (angustiada pela iminente venda das terras onde está o jardim das cerejeiras) para falar de uma mudança social muito grande. Sai do particular para entrar no social", interpreta Ione.

A diretora compara o impasse retratado pelo russo ao que se vive hoje. "É uma época de paradoxos. Há muita oferta, mas caos econômico e a necessidade de equilíbrio", diz

Galpão ensaia montagens de "Tio Vânia"e de contos

Num sentido distinto da abstração simbólica praticada pela Oficcina Multimédia em "As Últimas Flores do Jardim das Cerejeiras", o Grupo Galpão prepara uma montagem realista de "Tio Vânia", com o subtítulo "Aos Que Vierem Depois de Nós", sob a direção de Yara de Novaes.

Tanto a aporia quanto o momento de virada social, marcantes na obra de Tchékhov, estão presentes na leitura feita pelo coletivo de atores, assim como a proposta de um homem educado capaz de se relacionar de modo mais saudável com a natureza - algo já previsto na peça de 1899.

"Tchékhov é incrivelmente atual", opina o ator Eduardo Moreira, do Galpão. "Trata, no fim do século XIX, de temas que parecem ter sido escritos hoje: a questão da miséria humana, a emancipação da mulher, a preocupação com a natureza. Sempre com essa crença um pouco descrente na construção de uma sociedade mais humana", diz Moreira, que interpretará o médico Àstrov, alter ego do autor.

Respeitando a forma dramática que o russo deu às peças - e sobre a qual Constantin Stanislávski ergueu seu método de interpretação naturalista, no Teatro de Arte de Moscou -, o Galpão sai da sua zona de conforto, como fez ao aderir ao realismo em "Pequenos Milagres", dirigido por Paulo de Moraes. "Mas, agora, é um mergulho mais profundo", diz Moreira.

Passada uma primeira fase de estudo das cenas, no ano passado, o Galpão trabalhou durante dois meses debruçado sobre personagens e situações da peça e, agora, chega à fase final da montagem, "levantando" o espetáculo para uma provável estreia no Festival de Curitiba, em abril.

Fez algumas adaptações, como podar a personagem da ama e algumas das muitas referências à Rússia.

Até o fim do ano, a metade do elenco do Galpão que não se envolveu com "Tio Vânia" fará outro espetáculo baseado em uma seleção de contos de Tchékhov com o diretor russo Jurij Alschitz, o que aumentará a oferta de textos do autor em palcos mineiros.

Em compensação, o projeto de uma trilogia tchekhoviana, divulgado pela Cia. Clara, fica adiado. Depois de adaptar o conto "A Dama do Cachorrinho" no espetáculo "Nada Aconteceu", em conjunto com o grupo Quatroloscinco, o diretor Anderson Aníbal se dedica agora a um discípulo norte-americano de Tchékhov, Raymond Carver (1938-1988), de quem adapta o conto "Iniciantes", para 2012. "Carver mantém a visão generosa do homem", compara.

"Nada Aconteceu" deve, provavelmente, voltar ao cartaz no ano que vem, na mostra de repertório dos dez anos da Cia. Clara.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Pop Love: preso ao mundinho televisivo

por Luciana Romagnolli

Espetáculo dirigido por Diego Bagagal durante o Oficinão Cine Horto 2010 e apresentado na programação do Verão Arte Contemporânea (VAC), em Belo Horizonte, Pop Love direciona sua pesquisa de linguagem para os exageros do universo pop. Diz-se interessado, sobretudo, na pouco saudável relação entre ídolos e fãs.

Partindo de uma vontade de subversão, a montagem evoca em cena todo o imaginário das fábulas infantis às não menos fabulosas histórias sobre celebridades. Narrativas distintas a priori, mas que concordam, entre outras coisas, no potencial que ambas apresentam para projetar sonhos ingênuos.


Da conjugação, nasce o protagonista: um decaído príncipe Michael Jackson (ou heterônimo que o valha) trajado com uma máscara de sapo. Ao redor dele, transitam caricaturas distorcidas de figuras infantis como a Barbie, o Ken, a Minnie e o Mickey, sob o efeito da lente adulta que outrora as tivera como construtoras do imaginário, hoje as perverte.


Talvez a parte do público ver a Barbie e o Ken envolvidos em escândalos sexuais ou perceber a cegueira de perspectivas das empregadas que tudo fariam para se aproximar do ídolo traga alguma clareza crítica sobre a sociedade contemporânea, mas Pop Love olha o fenômeno da fama focando clichês e debochando do vazio existencial das duas camadas, a de fãs e de celebridades, sem se deter no que constitui a fama.


Sintomaticamente, o ator que representa Michael Jackson está sufocado por uma máscara de sapo que recobre toda a cabeça (valeria questionar se a oposição entre príncipe e sapo não se tornou uma imagem tão desgastada quanto redutora da afetividade feminina). Acontece que esse é um Michael Jackson absolutamente desprovido de voz, impedido de se expressar.


A perspectiva do ídolo não é ouvida. Em compensação, uma das cenas capazes de provocar maiores abalos emocionais, pela identificação ou pela memória afetiva, é a coreografia de "Thriller". Por quê? O que faz desse homem ídolo e que sua música atinja a sensibilidade coletiva? Está aí uma questão deixada intacta, em troca da exposição do patético da idolatria.


No trato propositalmente tosco e debochado, que pretende dar acidez ao tema, a encenação de Pop Love descarta o rigor. O elenco se entrega às ações com vontade e transparece crença no que faz, o que não garante preparo vocal suficiente para que se entenda o que cantam as simbólicas noivas, nem uma construção corporal delineada ou uma movimentação que aproveite o espaço.

O mais complicado, porém, é como o espetáculo permanece fechado no universo televisivo, como se curvado à sua influência sem escapatória. Ao tratar seus personagens como massa amorfa, sujeita à dominação de uma sociedade do espetáculo que lhe embota os sentidos, sem possibilidade real de individualidade ou de afirmação do eu, não resta ao espectador muito mais do que o mesmo. A única saída dada é a subversão dos ícones pop, como se nada mais houvesse para expandir o pensamento e estimular o senso crítico (e a criatividade) fora desse universo. Como se desligar a televisão fosse impossível.