quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Bob Wilson retorna ao palco como ator e diretor em “A Última Gravação de Krapp”

por Luciana Romagnolli

Diálogo entre o passado e o presente

Porto Alegre. Prestes a completar 70 anos na próxima terça-feira, Bob Wilson veio ao Brasil apresentar, somente no Porto Alegre em Cena, “A Última Gravação de Krapp”, seu primeiro trabalho solo como ator nos últimos dez anos, desde que fez o monólogo “Hamlet”. Mais conhecido como o encenador que remodelou a visão do teatro no século XX, elaborando projetos cênicos em que luz, cenografia e sonoplastia são os elementos mais importantes – ao tecerem uma rede na qual se encaixarão o texto e os atores, com gestualidade calculada –, Wilson mostrou, desta vez, também como sua própria atuação se inscreve em cena.

Novamente o norte-americano optou por um texto de Samuel Beckett – aliás, considerado o mais autobiográfico do dramaturgo irlandês. "Quando dirijo um trabalho, crio uma estrutura, e quando todos os elementos visuais estão no lugar, tenho uma moldura para os performers preencherem. Se a estrutura é sólida, então os artistas podem se sentir livres dentro dela. Aqui, na maior parte, a estrutura é dada, e preciso achar a minha liberdade na estrutura de Beckett", define Wilson.

O encenador declarou não ter sentido falta de atuar nesse intervalo. “De tempos em tempos, atuo. É bom para mim como diretor ter a mesma experiência que os atores têm no meu trabalho”, disse o encenador, durante a pequena coletiva concedida no domingo, dia seguinte à estreia (ele não gosta de falar com jornalistas antes do espetáculo).

Curioso que seu retorno como ator se dê diante de um personagem como Krapp, um homem desiludido de 70 anos que ouve, na solidão do seu escritório, uma fita gravada por ele mesmo 30 anos antes. Por seu hábito de registrar anualmente impressões sobre o que lhe passa, Krapp se depara com a própria voz, mais jovem e firme, e os pensamentos de uma época que pensa ter sido o auge e o fim de seus anos de felicidade – e de amor.
Wilson, contudo, não admite identificação com o personagem. Seu interesse, antes, vem dessa estrutura do monólogo dialogado entre um eu do passado e um eu do presente, e o que emerge do confronto entre esses dois seres e tempos.

A elaboração do tempo sempre foi um aspecto importante no trabalho do diretor norte-americano. Quem viu “Dias Felizes” no Palácio das Artes, em agosto passado, há de se lembrar da fixidez da atriz contrastando com a sucessão de amanheceres e entardeceres marcados pela luz. “A Última Gravação de Krapp” fornece mais material para isso. Os primeiros 20 minutos da peça não têm texto. Bob Wilson, com o rosto maquiado de branco e uma patética figura, cumpre uma rotina enxuta de pequenos gestos e ações (como comer bananas), executados de modo completamente extracotidiano. “Odeio teatro psicológico e naturalista. Teatro é um mundo artificial, e Beckett concorda com isso, é um outro mundo que ele cria”, diz.

Por isso, não se estranha a caixa preta (literal) que contém o cenário, visto pelo público só depois que a quarta parede que fechava o espaço é erguida. O cenário é simetricamente organizado, e a essa paisagem visual se une uma paisagem sonora elaboradíssima a partir do instante em que um estrondo de trovão fez tremer o Theatro São Pedro e inaugurou o espetáculo.

No desenho de som criado pelo diretor, sucedem-se trovoadas de maior ou menor impacto e um denso barulho de chuva, durante o qual se distingue o granizo e os momentos de calmaria, enquanto a luz imprime riscos de pingos iluminados sobre a cena. A condição do personagem se faz conhecer não somente pelas palavras e gestos, mas por todo o invólucro – e a forma.

“Eu procuro criar uma tensão entre o que se vê e o que se escuta, em vez de simplesmente ilustrar. Posso dizer que quero matar com raiva ou sorrindo, mas, se eu disser sorrindo, será mais terrível”, afirma Wilson.


Perfeccionismo de Bob Wilson adiou estreia do espetáculo

A esta edição do Porto Alegre em Cena, vieram medalhões como Philip Glass e Peter Brook, mas nenhum espetáculo era mais esperado do que “A Última Gravação de Krapp”, com Bob Wilson. Foi, por isso, grande a apreensão quando um problema na alfândega atrasou em um dia a chegada do cenário à capital gaúcha, onde estrearia na sexta-feira. Perfeccionista como é, Bob Wilson decretou o adiamento em um dia, complicando a agenda de não poucos que foram à cidade especialmente para vê-lo. Tiveram que se acomodar em uma sessão extra no domingo.

Ao fim, a montagem do cenário ficou pronta a tempo, mas, mesmo assim, o encenador manteve a decisão, justificando que não teria como ensaiar o suficiente. A parte mais complicada da estrutura era a montagem e afinação da luz. E esse é também o aspecto em que Wilson é mais rigoroso. Ao chegar ao ensaio final, percebeu imediatamente uma distorção e indagou a quanto estava a luz: 50%. O ideal era 47%.

Seu preciosismo se manifesta também diante dos fotógrafos, a quem pede que não sejam feitas fotos em close. “Meus espetáculos são melhor fotografados do centro da plateia”, avisou a um, que clicava a cena em diagonal. Mais do que caprichos, são cuidados de quem constrói cenários memoráveis e os quer valorizados pela fotografia, que não deve, por exemplo, desprezar a simetria só vista frontalmente.

Ao fim de uma hora de espetáculo, sob o som das palmas calorosas de uma plateia lotada, Bob Wilson voltou quatro vezes ao centro do palco fazendo firulas. Depois que o extremo rigor do artista e o conhecimento acumulado por anos de criação teatral surtiram seu efeito, ele está livre para usufruir.


Passagens pelo Brasil
Bob Wilson tinha 33 anos quando veio pela primeira vez ao Brasil com “A Vida e a Época de Dave Clarck” (na verdade, “A Vida e a Época de Joseph Stalin”, rebatizada por temor da ditadura). Foi tremendo, então, o impacto de seu teatro. Durante a encenação que durava 12 horas, o público era livre para entrar e sair conforme preferisse.

Em 2008, o encenador norte-americano reencontrou o caminho para o Brasil, mas veio sem espetáculo, para participar de uma palestra em São Paulo e de uma conferência no Porto Alegre em Cena, onde estreitou relações com o diretor do festival gaúcho, Luciano Alabarse. No ano seguinte, a turnê de “Quartett”, com Isapelle Huppert, dirigida por Bob Wilson, passou pelas duas cidades. E, em 2010, veio “Dias Felizes”, que se apresentou no Porto Alegre em Cena e no Festival Internacional de Teatro de Palco e Rua de Belo Horizonte.


Thêàtre du Soleil começa turnê em outubro
Após uma retumbante passagem pelo Brasil em 2007, quando apresentou “Les Ephémères” no Porto Alegre em Cena e na cidade de São Paulo, com ingressos vendidos em poucas horas, a diretora francesa Ariane Mnouchkine retornará ao Brasil – e ao festival – com seu mítico grupo Thêàtre du Soleil para três etapas de apresentações do espetáculo “Os Náufragos da Louca Esperança”, inspirado no romance póstumo “Os Náufragos do Jonathan”, de Julio Verne.

Entre 5 e 23 de outubro, faz temporada no Sesc Belezinho, em São Paulo, já com ingressos esgotados. O Rio de Janeiro conseguiu espaço na turnê, e receberá a trupe de 8 a 19 de novembro, no HSBC Arena. A data da venda dos ingressos ainda não foi divulgada.

Para encerrar, o Thêatre Du Soleil retornará a capital gaúcha em dezembro, para se apresentar fora de época pelo Porto Alegre em Cena.