segunda-feira, 28 de maio de 2012



Em ‘What We Saw from the Cheap Seats’, Regina Spektor concilia a embalagem pop aos seus arroubos criativos

A doce e excêntrica russa

¬ LUCIANA ROMAGNOLLI
¬ Regina Spektor não tem pressa em gravar suas músicas em discos. Desde “Far” (2009), com o qual chegou ao terceiro posto na Billboard, já se foram três anos. E muito tempo mais faz que compôs algumas canções presentes em seu sexto álbum de estúdio, “What We Saw from the Cheap Seats”, cujo lançamento oficial será nesta terça – embora esteja disponível na internet desde a semana passada.

Para quem acompanha de perto a carreira da cantora e compositora de origem russa– que migrou com a família para Nova York na infância –, quase a metade das faixas é conhecida de registros de shows. É o caso de “Patron Saint”, da qual se encontra, no Youtube, áudio de um apresentação em 2003. Ao menos desde 2007, já circulam “All The Rowboats” e “Small Town Moon”. A letra de “Oh Marcello” vazou por volta de 2008. “Open” e “Ballad of a Potitician” também não são novas. E “Don’t Live Me (Ne Me Quitte Pas)” já estava em “Songs”, seu segundo CD, inédito no Brasil.

Se as faixas de hoje podemter sido compostas antes das de discos anteriores, seria, então, leviano traçaruma linha progressiva na discografia dela. O que acontece desde “Begin to Hope” (2007), quando assinou com uma grande gravadora (a Warner), é que a passagem pelo estúdio deixa marcas cada vez mais substanciais. “Far” foi o auge disso,comarranjos
acobertandoopiano e marcação insistente da bateria, numaembalagem pop.

INDOMÁVEL. Aos 32 anos, Spektor mostra em “What We Saw...” um produto ainda mais trabalhado em estúdio, o que a distancia do som cru de voz e piano dos experimentais primeiros discos. Até certo ponto, contudo.Para alívio de quem a ouve, ela concilia como nunca nesse sexto disco as exigências de mercado – as quais não pode ignorar desde o estouro de “Fidelity” – ao gosto fora dos padrões, que a faz peculiar.

Por um lado, redobra as atenções sobre os doces agudos e as torrentes emocionais, enquanto capricha em ruídos vocálicos, variações melódicas inesperadas e demais excentricidades que dão personalidade à obra. Como artista que se preze, seu terreno não é o do ordinário. Ela preserva algo de indomável. A multiplicidade de estilos habita “What We Saw from the Cheap Seats” como humores oscilantes. Há espaço para o lírico e o épico, o drama e a graça – por vezes na mesma estrofe.

Todas as composições do disco são autorais. As exceções vêm como bônus na edição especial para o iTunes. Trata-se de duas regravações da cantora russa Bulat Okudzhava, “The Prayer of François Villon” e “Old Jacket”, que Regina canta em sua língua materna (como já fez em
versos de “Aprés Moi”, de “Begin to Hope”).Oterceiro extra é o duo “Call Them Brothers”, com o marido Jack Dishel, vocalista do Only Son e guitarrista do The Moldy Peaches.

Seu produtor é Mike Elizondo, da equipe do “Far”, mas que agora atua sozinho. Ao jornal “The New York Times”, ele disse gostar detrabalhar com artistas que ainda não alcançaram o público que merecem, e que identifica, no disco novo, “uns quatro” singles com esse potencial.

Na mesma entrevista,Regina faz um comentário que pode ser entendido como o seu projeto artístico. “Você coloca ‘RubberSoul’ou‘Sgt. Pepper’s’ (dos Beatles) ou ‘Freewheelin’ Bob Dylan’ (do Bob Dylan) e são sólidos. Desde a primeira nota que se ouve, nada sai errado. Por que tudo não pode ser assim?”. Com ela, é.

Consistente da canção de amor à crítica política

O piano de “Small Town Moon” abre “What We Saw from the Cheap Seats” lembrando a fina melancolia de “Eet”, e dá vez a uma alegria contagiante com a entrada da bateria. Regina constata: “Today we’re younger than we’re ever going to be” (“Hoje somos mais novos do que jamais seremos”). É um provável hit.

Na sequência, “Oh Marcello” embaralha tudo: fala de assassinato, brinca com sotaque italiano com um trecho de “Don’t Let Me Be Misunderstood” (gravada primeiro por Nina Simone).

A leve “Don’t Leave Me (NeMeQuitte Pas)” foi revestida de um arranjo primaveril de sopros muito mais suntuoso (e algo irônico) que a versão antiga. Com melodia mais delicada, toda ao piano, “Firewood” comove com letra triste mas esperançosa.

Patron Saint” é provocativamentedestrutiva(uma mistura de “Your Honor”, sem o punk, e “Bartender”), e a cantora avisa: “She’ll break her own heart and you know she'll break your heart too” (“ela vai partir o próprio coração e você sabe que vai partir o seu também”). Mais tradicional, “How” fala de um amor perdido, investindo na beleza de piano e vocais.

Comintrodução eletrônica, a densa e sombria “All the Rowboats” traz Regina criando sons de bateria com a boca, sobre uma letra surrealista. Já em “Ballad of a Politician”, ela critica o poder em tom sussurrado e cortante de ameaça.



Open” é a faixa mais grandiosa, com piano e vocais dramáticos em atmosfera suave que se  agrava. É seguida pelo romantismo rasgado de “The Party”.

Ao fim, a breve “Jéssica” encerra ao violão um repertório tão diverso quanto consistente e expressivo, marcado pela imprevisibilidade. (LR)
A doce e excêntrica russa
Para ouvir

Ouça o disco “What We Saw from the Cheap Seats” em streaming na sessão “First Listen” do site NPR.

A Warner promete lançá-lo no Brasil também no dia 29, como em outros países.

No iTunes, estarão à venda faixas-bônus.

Fiona em junho

É tempo de expectativa para os fãs de cantoras-pianistas. Depois de Spektor, quem lança disco novo em junho – sete anos após o último – é Fiona Apple.

O título, imenso, começa com “The Idler Wheel Is Wiser Than The Driver....”. Já saiu o single "Every Single Night”.