sábado, 22 de janeiro de 2011

O misterioso e sensível Liniers

por Luciana Romagnolli



Na semana passada, entrevistei o quadrinhista argentino Ricardo Liniers, autor das tirinhas Macanudo, publicadas diariamente no La Nación e na Folha de S. Paulo, e em livros pela Zarabatana Books. Aqui, a conversa inteira:

Quais são os ilustradores que mais influenciaram seus desenhos? Imagino que Quino tenha sido importante. A Enriqueta é “filha” da Mafalda?
Toda a minha geração na Argentina aprendeu a ler lendo Mafalda. Sempre gostei de quadrinhos, buscava HQs que tinham a ver comigo no momento. Assim, do Quino passei ao Tintim e ao Asterix. Quando comecei a desenhar a Enriqueta, Macanudo tinha muitos experimentos e coisas estranhas, eu queria fazer um personagem clássico como Charlie Brown, Calvin e Mafalda. Ela se transformou em uma personagem meio central, mas me afastei da Mafalda, que é insuperável. Em vez de fazer uma menininha com todos os seus amigos, cada um com uma personalidade, eu a fiz interiorizada, sozinha com seu gato e seu ursinho. Não é uma personagem sociável.

O pesquisador brasileiro Paulo Ramos, autor do livro Bienvenido, sobre quadrinhos argentinos, do qual você fez a capa, diz que seus desenhos têm forte influência também de outro ilustrador argentino, o Max Cachimba. Quem é ele?
Ele é um desenhista de Rosário, um gênio absoluto e um personagem muito particular, por quem todos os desenhistas argentinos são fanáticos, mas a verdade é que não se conhece muito a sua obra. É o desenhista com mais imaginação e talento para desenhar que conheço.



Tem ideia de quantos personagens já criou?
Não os contei, vão se somando. Há três ou quatro anos fiz um pôster com todos os personagens até o momento, mas desde então já surgiram outros. Quase todos os personagens aparecem porque há um registro de humor que pretendo investigar. Com a Enriqueta, queria o registro clássico. Com o Olivério, a azeitona, o humor negro, para torturá-lo um pouquinho. Com outros, o absurdo ou o surrealista. Às vezes os personagens ficam para sempre e às vezes desaparecem.



Algum deles, particularmente, sintetiza sua visão de mundo?
Não, creio que se apanha-los todos e metê-los em um liquidificador, dá um suco de Liniers, porque todos tem algum pedaço da minha personalidade. O homem misterioso, quando sou misterioso, o robô sensível quando estou sensível.



O Capitão Deja Vu é um dos mais novos. Como surgiu? Ele tem a ver com alguma personalidade pública atual?
Não lembro como surgiu, mas o que sei é que não me dá muito trabalho, porque posso repetir o quadro (risos). Pensei que seria só uma piada e já são várias tiras. Tem a ver com a televisão, certamente, essa obsessão de fazer sempre o mesmo. E com os políticos um pouquinho também.

A política argentina e as suas viagens a outros países inspiram seus desenhos?
Gosto que no Macanudo valha tudo. Quando tem um caso político que me interessa e quero chamar a atenção, coloco. E quando só quero me divertir, o faço. Me lembro que em Belo Horizonte, quando fui à FIQ, fiz uma tira porque saí para caminhar e desenhei três lugares, a tira é só isso.



Para você, desenhar uma tirinha nova a cada dia é simples? Como é sua rotina criativa?
A princípio me dava um pouco de medo porque nunca se sabe se vai conseguir fazê-lo, mas com o tempo me dei conta que é um ofício, como o do carpinteiro. Geralmente trabalho pela manhã, de forma ordenada, e deixo que o fim de semana seja fim de semana.

Uma das maiores qualidade de seus quadrinhos é o aproveitamento do espaço. Por exemplo, quando a piada está em um detalhe que não chama a atenção à primeira vista ou, como recentemente, com um só quadro incompleto e o aviso de que ainda fazia o download. Como você pensa espacialmente seus desenhos?
Com a mesma liberdade que com a temática. Quando comecei a desenhar a tira, pensei que fazer todos os dias o mesmo tipo de desenho em quatro quadrinhos um na frente do outro me parecia entediante. A cada tira me diverte fazer algum experimento, mudar os quadros de lugar, às vezes com muitos quadros, outras apenas um, para não me enfastiar.

Outra qualidade está no modo como faz do simples, assombroso, ou do insignificante, expressivo. Não é um senso de humor comum, mas mais amplo. Você considera seus quadrinhos, mais do que humor, um espaço para todos os sentimentos humanos?
Acho que as pessoas que me contrataram queriam que eu fizesse sempre engraçado (risos), mas eu pessoalmente não me sinto obrigado a isso todos os dias. Para mim, humor pode ser de outros tipos, melancólico, mau humor, irritado, até porque não há surpresa qdo se faz sempre o mesmo. E a piada sai dependendo de como eu estou. Não sou uma pessoa contente todas as horas do dia como nos programas de televisão, se estou de mau humor a tira sai com mau humor, e as pessoas já me conhecem e têm paciência.




Li em uma entrevista você dizer que o Bon Jour era “exagerado”. Por quê? E o que mudou dos tempos de Bon Jour para o Macanudo?
Bonjour foi a primeira história em quadrinhos que fiz num jornal semanal, eu queria chamar a atenção porque queria trabalhar com isso e não passar despercebido, então cada ideia extrema que me ocorria de humor negro, cada ideia estranha, bizarra, estrambótica, eu fazia, e mandava desenhos cada vez mais complexos para que publicassem maiores. Mas o choque que tem muito em Bon Jour se torna rapidamente previsível. A tira que eu queria fazer era Macanudo, mais clássica como Peanuts ou Mafalda, embora também me divertisse muito com o Bon Jour. Além disso, eles saíam em jornais com linhas editoriais diferentes, o Bon Jour no Página 12, de esquerda, onde não se assustam com nada. O La Nacion é mais conservador, tem leitores crianças, é preciso ter mais cuidado, mas por sorte me deixaram fazer a tira que eu queria.

Enriqueta é uma grande leitora, você criou a Vaca Cinéfila, suas tiras constantemente têm referências a filmes e livros... O que você costuma ler, ouvir, ver no cinema?
Sou muito voraz, preciso que a todo tempo alguém esteja me contando uma história, por isso leio muito, vou ao cinema, vejo televisão, séries, escuto muita música. Chaplin, por exemplo, é uma influência muito grande para mim.



E para os seus pingüins...
Para os pingüins, claro! São os animais mais chaplinescos com que cruzei, não tenho que fazer muito esforço para que sejam graciosos. Chaplin tem essa mescla de felicidade e tristeza que em mim gera uma emoção mais interessante do que a alegria ou a tristeza pura. Ele te põe em uma encruzilhada, não saber se rir ou chorar. E Enriqueta é como eu era quando criança.



Como funciona a sua parceria com o músico Kevin Johansen?
Faço um show com Kevin, enquanto ele toca as músicas, vou desenhando o que me despertam as canções deles – se lindas e sutis, faço desenhos mais abstratos. No fim, fazemos aviõezinhos e os atiramos ao público, que é mais simpático do que guardá-los. Este ano, certamente, vamos ao Brasil.

Você considera boas as relações entre ilustradores do Brasil e da Argentina?
Sou fanático por vários desenhistas brasileiros, em geral por ler os poucos que chegavam aqui quando eu era menino. Tinha o Adão porque alguém emprestava, ele viveu um tempo na Patagônia com os pingüins, o que muito invejo. Nos anos 90, veio um desenhista de Porto Alegre que me enlouqueceu, Fábio Zimbres. É uma das minhas maiores influências, mas eu nunca disse a ele, senão vai se envaidecer (risos). Tem um dos estilos mais graciosos e divertidos de escrever, mas gosto mais dos desenhos, que são incríveis.



O que costuma ouvir de leitores brasileiros?
Nos blogs, no twitter, em tudo que faço aparece um “tudo bem”, “legal” (em português, não espanhol). Não estava nos meus planos que minhas histórias ultrapassassem a fronteira Argentina. É lindo ver os livros publicados em outros idiomas, português, francês, e ir a Praga apresentar Macanudo em tcheco. Estou começando a aceitar essas coisas como normais.



Um comentário:

Tassia disse...

Muito legal a entrevista, Luciana. E ter escolhido esse entrevistado também :)