segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A beleza na fragilidade de Ana Clara Horta

por Luciana Romagnolli


O vídeo acima é de "Melodrama", uma canção deliciosa da carioca Ana Clara Horta sobre pequenas desavenças do cotidiano amoroso. Ana Clara não tem uma grande voz ou um timbre impressionante (particularmente, me agrada bastante), mas é refinada. O principal: não faz nada sem cuidado. Ao compor, busca profundidade nas letras e melodias elaboradas; ao cantar, não deixa que o rico instrumental sobressaia demais sobre sua voz frágil (e há beleza na fragilidade, claro).


Afinal, filha de um crítico de música erudita com uma pesquisadora de música folclórica, desde sempre esteve exposta a uma ampla e criteriosa seleção musical. Outro fato biográfico de relevância foi ter esperado uns bons anos até se lançar como cantora e compositora, no finzinho do ano passado, com o disco "Órbita", pela Biscoito Fino. Aos 30, Ana Clara já não é uma novata desavisada dando forma ao primeiro impulso realizador. O senso crítico adquirido em casa mais um tanto de amadurecimento deram consistência a seu trabalho.


Confira alguns trechos da minha conversa por telefone com ela (disposta e simpática, como poucas):


Berço
"O que aparece no meu trabalho é só uma continuação da minha história. Sempre tive música perto de mim, de uma forma muito natural, isso nunca passou pela teoria musical, mas pela vivência, pela escuta. Tinha desde música clássica a popular e folclórica, e tudo que eu escutava em casa, ou independentemente, era de muita qualidade sonora. Isso ficou forte como carro-chefe quando fui trabalhar o disco, até por causa da minha voz, que é delicada."

"Quando eu tinha 12 anos, escutava muito João Gilberto (e Tom Jobim também). Estava começando a aprender pandeiro e tentava acompanhá-lo, era muito difícil por causa dos sons quebrados, mas me identifico pelo som limpo, bem tocado, as composições muito bem feitas e o ritmo dele, que é muito suingado. Ritmo é muito importante pra mim."

"Minha mãe ia dar um curso de música numa tribo na Amazônia e devia levar material, mas não tinha pronto, então ela tocou piano, meu irmão (que começava a aprender) tocou acordeão, minha irmã tocou violão e cantou e eu cantei e fiz percussão. Gravamos uma fita só com música folclórica para minha mãe levar, foi o maior sucesso na rádio local amazônica, e para mim foi um dia muito especial."

Crítica
"Meu filtro é em relação à qualidade sonora, na minha casa não tinha muita bagunça de som. Isso, por um lado, me tornou uma pessoa muito exigente em relação ao que tocar, o que dizer, por outro, posso me fechar para outros tipos de som. Eu me policio muito, mas sou uma pessoa chata, não gosto de qualquer coisa, presto muita atenção, por meu pai ser crítico de música clássica, extremamente rebuscada e com limpeza muito forte de som. Estou muito ligada nisso para não ficar uma pessoa fechada, porque as trocas são muito positivas."

Compor
"Antes eu não achava que tinha um repertório consistente para mostrar, só fui gravar quando tive certeza de estar cercada de pessoas muito boas e que minhas composições tinham muita consistência. Eu componho desde os 14 anos, mas, na verdade, as composições começaram a amadurecer lá pelos 23. Nesse meio tempo, minha mãe adoeceu e isso influenciou muito na maturidade das letras, ela faleceu de câncer há 5 anos. 'Menina de Leite' e 'Pé de Amora' eu fiz muito triste com a perda premente. Me formar em psicologia e minha mãe adoecer foram marcos importantes para mergulhar na história de composição."

"Concordo que tem muita cantora e muita intérprete, mas às vezes falta qualidade às composições. Compor é muito difícil, o que você vai dizer, como dizer, como afetar o outro. Me sinto privilegiada de ter meu trabalho reconhecido como compositora mais do que cantora, estou no caminho certo, embora composição seja um caminho muito difícil. Comecei a pensar mais nas estruturas das músicas e profundidade das letras, não queria entrar com um trabalho raso, até por saber que o mercado estava cheio de compositoras e intérpretes."

"Toco piano, voltei a estudar agora, e violão. Componho ao violão, varia se melodia ou letra, meu processo de composição é muito livre, procuro sempre me adequar à maneira dos meus compositores, das parcerias que travo."

Disco
"Eu fazia aula de canto com o Felipe Abreu, o diretor vocal do disco, que me indicou o Mário Moura para direção musical, fiquei muito agradecida. É muito difícil encontrar um diretor musical que entenda o trabalho, que o deixe com a cara do artista e se veja a identidade do diretor. Ele é um cara que trabalha muito com ritmo, também por causa do Monobloco e do Pedro Luís e a Parede, ao mesmo tempo que com a delicadeza do som, e me deu a ideia de gravar 'Bailarina' com o Pedro Luis - o nome dele associado ao meu trabalho traz muita coisa boa e chama atenção, além disso, acho um cantor de voz muito interessante. Estou na fila pra compor com ele."

"O Mário estava em todos os ensaios, montamos os arranjos todos juntos, com os músicos. O que facilitou muito para isso foi meu violão, todo trabalho do disco foi em função do que eu estava fazendo no violão, já tinha uma identidade ali, dava uma direção, só fizemos com que os instrumentos conversassem com o violão. Minha sensação é que essas músicas são minhas mas também dos músicos que estavam lá comigo, porque ficaram com a cara deles também."

Show
"Fiz o lançamento dia 12 de janeiro no Solar de Botafogo (Rio de Janeiro). O disco funcionou bem, tem uma sonoridade boa, apesar de que ainda é preciso fazer muito ajustes. Estamos nos afinando, quanto mais tocar, mais entrosada fica a banda. Eu tenho expectativa de fazer shows fora do Rio, mas marcado ainda não tem. Fiquei muito impressionada com a repercussão que meu disco teve em Belo Horizonte, feliz por como são abertos para a música brasileira."


Para terminar, deixo a faixa-título, "Órbita", e sugiro ouvir "Balarina" no Myspace dela.





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