domingo, 16 de janeiro de 2011

Antes do Fim: o descompasso entre modos de interpretar



por Luciana Romagnolli

Como terminei o ano em meio ao caos de uma mudança repentina, não consegui escrever sobre dois espetáculos curitibanos que vi em dezembro. Acabei concentrando as forças em Oxigênio, porque foi o que realmente me despertou mais reações emocionais e racionais, e sobre o qual acabo de fazer um texto mais cuidadoso para a revista eletrônica Questão de Crítica (link na coluna ao lado). Deve ser publicado em breve.

Não pode passar em branco, porém, a montagem de Antes do Fim (foto de Elenize Dezgeniski) levada ao Teatro Novelas Curitibanas pelo diretor Marcos Damaceno. É um texto complexo, especialmente por não ter nenhuma marca temporal precisa. Conjuga presente e passado.

Se, por um lado, o autor Marcelo Bourscheid busca na tradição do mito grego de Ifigênia a natureza das relações de afeto e inveja entre seus personagens, por outro, os transfere para uma estrutura dramatúrgica moldada conforme a lógica contemporânea da descontinuidade fragmentada, que se sustenta suspensa no discurso, sem alicerces objetivos.

Damaceno traduz essa suspensão temporal - que também atinge a ação dos personagens na medida que esperam pelo retorno de Ifigênia - em um cenário surrealista, incomum à estética comedida de outras montagens de sua companhia (a mais recente, Árvores Abatidas ou Para Luís Melo). Uma porta paira no ar, mas, mais impactante ainda é a quantidade de areia a recobrir o palco, afundando os móveis da casa, entortados pelo descuido de quem perdeu a atenção com a vida prática porque a sentimental ganhou medidas incontíveis.

Bom ver um diretor a quem as palavras são tão caras investir na concepção visual como portadora de significados próprios, que impressionam o espectador por outras vias de percepção e estimulam o imaginário a dar consistência àquela realidade desolada. Há um esforço em criar soluções visuais, por exemplo, a partir de uma poça, que materializa as relações dos habitantes daquela casa perdida com o mar próximo.

Acontece que, na falta de âncoras de um cenário que não é "lugar" e de um texto que não responde "quando" ou "onde", a movimentação de alguns personagens permanece sem delineio. Não é o caso da Ifigênia de Rosana Stavis, apartada dos demais num extremo do palco. Mas, uma vez que os que a esperam se afastam da posição inicial de "álbum de família", alguns atores ficam desconfortáveis com o próprio posicionamento em cena.

A questão vai um pouco além. Estão desconfortáveis com o tipo de representação concebido para a montagem. A própria estrutura do texto dispensa a interpretação psicológica e suas manifestações emocionais intensamente arrebatadas, embora esse seja o caminho trilhado por parte dos atores. Ao passo que a atriz Rosana Stavis atende ao ideal do diretor de desenvolver a musicalidade da fala cadenciada com pausas e tonalidades causadoras de estranhamento. O descompasso entre os dois registros de atuação, no entanto, enfraquece ambos.

Já se tinha uma ideia prévia de que esse seria o ponto nevrálgico da montagem desde a leitura dirigida também por Damaceno na Mostra do Núcleo de Dramaturgia do Sesi/PR, realizada ano passado, durante o Fringe. Naquela ocasião, Rosana sobressaía por uma leitura extremamente contida e nuançada, fazendo com que as mais sutis alterações reverberassem. Era gritante a disparidade em relação aos atores que, ao contrário, optaram pelo excesso dramático, sem igual efeito.

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