quarta-feira, 30 de março de 2011

O frescor do encontro com o público

por Luciana Romagnolli





Desta vez, quem fala é Marcio Abreu, diretor da Cia. Brasileira de Teatro, que encena Oxigênio durante o Fringe. Para quem não viu, é minha principal recomendação para esta edição. Vamos às respostas:

Qual o lugar e a função do teatro na sociedade midiatizada e individualista em que vivemos? 
É o lugar da escuta, da ação compartilhada, do encontro em lugares improváveis, da ressignificação do humano. O teatro, assim como toda arte, tem um aspecto de inutilidade e, muito embora eu acredite na importância de afirmar essa inutilidade, admito uma certa função da arte por trás de tudo. É contraditório: a própria inutilidade exerce uma função, como, por exemplo, propor novas relações das pessoas com a noção de tempo. Quando se vai ao teatro, vive-se um tempo relativizado. Isso não é necessariamente útil, mas estimula a sensibilidade e pode promover novas percepções do outro, de si mesmo e do mundo.

O que você, à frente da Cia. Brasileira, entende por teatro contemporâneo? Que é o mesmo que eu perguntar o que lhe interessa dentro do arcabouço do que se convencionou chamar assim. 
É uma questão interessante, que só dá pra tentar responder de dentro da fogueira. Definitivamente penso que teatro contemporâneo não está necessariamente ligado à noção de teatro que se faz nos dias de hoje. Nem sempre essa duas categorias coincidem. Penso que existem pelo menos duas questões das quais não se pode escapar quando falamos de teatro contemporâneo: a primeira é o FAZER repensando os modelos que existem até então (sobretudo ampliando as noções de escrita para teatro), a segunda é a PRESENÇA do ator em relação ao público e como, a partir dessa relação, surge um novo conceito de encenação, favorecido pelo estatuto fundamental da APRESENTAÇÃO.

Você acha que o espectador médio ainda carrega expectativas antigas, relacionadas a um teatro moderno ou aristotélico, com enredo, personagens e ação, ao assistir a um espetáculo teatral hoje? Quais seriam as maiores dificuldades? Isso prejudica a relação com a obra? 
Sim, acho que esse fenômeno acontece, mas talvez em menor escala do que imaginamos. Isso é, em geral, um problema de leitura em amplo sentido e não tem a ver com ter mais ou menos informação, experiência ou cultura. Tem a ver com condicionamentos sociais. Se eu leio apenas a minha expectativa, ou seja, se eu só consigo ver numa obra aquilo que eu espero dela, certamente a minha chance de ficar frustrado é grande. Se eu me posiciono aberto a uma experiência, seja ela qual for, serei mais permeável a tudo e poderei exercer meu senso crítico, formular opiniões, responder sensivelmente como leitor ou espectador. Tenho a impressão que um público supostamente menos viciado, ou seja, aquele que não é pseudo intelectual, mas, ao contrário, ou não sabe nada sobre a obra ou ainda, o outro extremo, aquele que sabe muito sobre a obra, acaba por se relacionar de maneira mais potente com a arte contemporânea de um modo geral. Mas isso é apenas uma impressão de dentro da fogueira. E, infelizmente, o que acontece é que temos uma grande parcela da população que escolhe o medíocre como sensibilidade. É a famosa ignorância consentida e consciente, por escolha. Contra isso é difícil lutar. De qualquer maneira, no teatro dos dias de hoje tem espaço para o teatro contemporâneo, assim como para o teatro da confirmação das expectativas medianas. Ambos podem ter qualidades e defeitos.

Em Oxigênio e em Vida a companhia repensa o modo como o ator se coloca em cena, pela narração-performática. Como o grupo tem entendido essa relação entre ator e texto, ator e plateia? 
Antes de tudo, posso dizer que essa é uma busca de anos de trabalho. A continuidade, neste caso, é fundamental. Antes de Vida e Oxigênio, já buscávamos um frescor no encontro da cena com o público. Isso quer dizer: como mobilizar o ator e os elementos que compõem a dramaturgia para convergir na criação de um tempo real, de um momento presente, com todas as suas armadilhas e dificuldades? Por um lado isso significa o exercíco técnico de precisão em relação ao texto e à cena, assim como o exercício de abstração e "esquecimento", tudo isso simultaneamente. É desta forma que tenho trabalhado como dramaturgo e encenador e é isso que obsessivamente proponho aos atores. Em Vida e em Oxigênio, acredito que conseguimos graus diferentes, mas ainda assim significativos, de encontro com o público no tempo real. Vejo que o teatro acontece, mas a fragilidades declaradas e assimiladas.

Quem são os pensadores do teatro que mais o instigam hoje e por quê?
Nos últimos anos tenho tentado acompanhar os trabalhos do coreógrafo Jerôme Bel e da intérprete e coreógrafa Vera Mantero. Ambos trabalham na frequência da técnica associada ao frescor do encontro com o público.

Um comentário:

Marcio Abreu disse...

Valeu Lu! Li também a entrevista do Leprevost, adorei.
bj.
Marcio.