segunda-feira, 28 de março de 2011

A trajetória da Pausa Companhia

por Luciana Romagnolli


Prosseguindo com as entrevistas, aqui estão os comentários da Andrea Obrecht, atriz da Pausa Companhia, em cartaz no Fringe com o Roteiro Escrito com a Pena da Galhofa e a Tinta do Inconformismo (foto abaixo de Alessandra Haro). Ela faz uma boa reflexão sobre a trajetória do grupo. Só não obedeceu ao esquema de perguntas e respostas, então segue o texto corrido: 




"Suas perguntas são boas para provocar discussões em encontros, rendem bastante. Com certeza cada um da Pausa teria colocações bem pessoais sobre cada tema. Então o que escrevi abaixo não digo pela Pausa, mas por mim. 

A Pausa desde sua formação tem procurado desenvolver trabalhos que conversem com a contemporaneidade. Isso tem sido um exercício para nós. Até agora foram cinco montagens de espetáculos. Com cinco diretores e autores diferentes. A questão “teatro contemporâneo” funcionou para cada montagem de uma forma e a plateia respondeu a cada montagem de uma maneira. Isso para mim exemplifica na pratica o quão plural é pensar teatro contemporâneo e a relação da plateia com ele. 


Aperitivos, nossa primeira montagem, era uma comédia, teve um formato palco italiano, com personagens construídos a partir de uma verdade psicológica, quatro paredes e tal. As cenas contavam histórias com inicio meio e fim. A contemporaneidade dessa montagem para mim estava na dramaturgia escrita por Mark Harvey Levine, que utilizava desde recursos não realistas para desengatilhar ações entre os personagens (namorado de aluguel, paranormal, acreditar ser um super-herói), até uma cena com estrutura mais ousada que revela a história do personagem através de metáforas com cores, filmes, bebidas e diálogos não realistas. Essa foi nossa peça que atingiu um maior numero de público, com maior aceitação popular. Acho que o público no geral ainda vai ao teatro esperando encontrar histórias lineares e/ou comédias. Porém rotular nunca é saudável. A cena de Aperitivos que não era comédia, e que tinha uma estrutura mais ousada e simbólica, era tão popular quanto as outras. É difícil definir a relação do público com o teatro contemporâneo. Claro, existe o publico clichê do tipo que só quer ver espetáculo comercial (para mim, esse público não consome teatro pelo teatro, e sim entretenimento). Mas existe o público de teatro que não espera só entretenimento, e ele está crescendo cada vez mais, para esse público a linguagem contemporânea não é um empecilho, mas sim algo estimulante que provoca um diálogo direto. 


Febre - Um Sintoma Cênico (foto abaixo) foi uma prova para a gente. Aqui o espetáculo tinha em toda a sua concepção uma proposta contemporânea, desde os atores narradores, a plagicombinação na construção do roteiro, o teatro sendo reafirmado como jogo coletivo, a plateia participando ativamente, a metalinguagem servindo como reflexão a todo o momento. Um espetáculo que tinha como um dos principais objetivos discutir o teatro. Tínhamos dúvida quanto a resposta do público, e a resposta foi ótima. Uma plateia diferente (não só a panelinha do teatro) lotava as apresentações e ajudava espontaneamente na divulgação porque gostavam. Esses dois trabalhos foram completamente diferentes (pode-se dizer opostos) mas tiveram ambos uma ótima aceitação pelo público. Daí penso... o que a plateia quer é ser comunicada. Muitas vezes teatro contemporâneo soa como algo tão simbólico que para haver comunicação precisa de um manual, ou de um conhecimento intelectual prévio. E esse tipo de espetáculo muitas vezes não tem sucesso com a massa, mas não acho que isso seja culpa da contemporaneidade, e sim das opções que o artista toma.




A Pena da Galhofa e a Tinta do Inconformismo, o último trabalho da Pausa, vai para outro lugar completamente diferente do Aperitivos e conversa com o Febre (devido a presença do Fernando Kinas em ambos). Aqui o ator narrador aparece novamente, a quarta parede não existe, o teatro é reafirmado todo o tempo como um jogo coletivo, o roteiro é construído a partir de uma colagem, a ideia de se contar uma historia com início, meio e fim não é o objetivo final da concepção do espetáculo. O teatro é colocado em questão e discutido com o público, este sim é um dos alicerces da peça. Os atores são jogadores, constroem e desconstroem personagens e ideias na frente do público, mostrando que o foco não é a magia de recursos, a catarse vindo de surpresas, a "idolatração" da construção do grande ator, mas sim o que está sendo posto em discussão. Recursos teatrais e surpreendentes existem, mas para facilitar a transmissão de uma ideia, nunca para o puro entretenimento. O público é chamado para construir ativamente a peça, escreve as lápides, come pipoca, troca ideias sobre o xadrez com os atores. Isso dá um caráter único a cada espetáculo, cada dia um publico e cada dia uma peça diferente. Abre janela para a performance. Reafirma a importância da plateia na construção da obra. A luz e o cenário são pensados para dialogar com essas ideias. Para mim, essas são características contemporâneas. 

Agora, quanto às tendências do teatro curitibano... Não tem muita produção em Curitiba que reflite amplamente sobre o que está produzindo, quais os objetivos que pretende alcançar com a montagem e qual o melhor formato para se alcançar esse objetivo. Produz-se bastante instintivamente. Não acho que a produção curitibana pensa sobre o teatro contemporâneo. Mas as ideias desse teatro permeiam aqui e ali, então é possível ver recursos contemporâneos nas montagens. Isso não significa que a montagem reflite sobre a contemporaneidade, mas sim que usa de uma estratégia contemporânea aqui e ali. Me parece que para se fazer teatro contemporâneo é preciso refletir sobre as opções, para conscientemente quebrar amarras e paradigmas. Ser contemporâneo tem a ver com a atitude do artista, não é fácil... O Kinas para mim é bastante contemporâneo por essa razão."

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