Fui um pouco temerosa ver o show da Céu ontem à noite, no Grande Teatro Palácio das Artes. É um teatro imenso, para cantoras que se impõem no palco, e a minha lembrança de vê-la cantar em pequenos teatros (o HSBC e o Sesc da Esquina, em Curitiba), ainda na época do primeiro disco, não era das melhores. Céu dançava ensimesmada, sem encarar de frente a plateia, mexendo só os ombros, como se estivesse num mundo à parte. Os vocais imperfeitos, a difícil adaptação da sua música superproduzida para o palco. Mas algo aconteceu que o show seguinte feito em Curitiba, em agosto de 2009, no John Bull Music Hall, já para o disco "Vagarosa", foi muito mais quente. Claro que o clima de balada ajudava, as músicas dela embalaram o público numa dança malemolente e as tais imperfeições ficaram abafadas. Além disso, Céu finalmente encarou o público de frente, fazendo charme com o cabelão cacheado.
Pois que, ontem, Céu não apenas atraiu um público numeroso ao Palácio, como mostrou diante dele uma presença de palco admirável. Como boa paulista, é um tanto dura, mas não parou de dançar (e até requebrar), conversou sobre as músicas, contou que considera "Grains de Beuté" especial e assumiu a linguagem corporal de quem domina palco e plateia.
O repertório girou em torno do disco "Vagarosa", calcado no reggae com tratamento eletrônico e dedicado à preguiça. Ao vivo, Céu soa bem menos suave. Os tons baixos, sim, mantêm aquela suavidade seca do disco, porém, quando projeta a voz, sai granulada e rascante. A dicção não permite a ninguém que não conheça previamente as canções entender o que canta, e Céu acentua isso com uma divisão silábica estranha (como em "Nascente"). Seu canto é quebradiço, sua beleza está nas várias texturas vocais e criadas por instrumentos e sintetizadores.
"Espaçonave" abriu o show mostrando que a transição para o palco deixa mais à vista a falta de organicidade de sua música. Sobretudo, expõe as arestas que a produção do disco atenua. Mas arestas podem ser interessantes. O que se perde é fluidez. Algumas das melhores performances são "Bubuia", assumindo sem perda os vocais de Thalma de Freitas e Anelis Assumpção, que gravaram com ela. Outras são "Cordão da Insônia" e sua releitura para "Visgo de Jaca", de Martinho da Vila. Duas canções, sobre todas as outras, cresceram no palco, revelando força que não mostravam nos discos. "Valsa para Biu Roque" foi entoada intimamente já no bis, só voz e contrabaixo, em delicada emoção. E "Papa", com os vocais livres de pós-produção para saírem soltos e brincar, ganhou humor e vivacidade. Ainda mais, ao ser intercalada com uma deliciosa versão country de "It Takes Two to Tango".
Imperfeita, sim, mas dona de um timbre e um modo de cantar cheios de personalidade, Céu cresceu (ao menos por uma noite, ficou do tamanho do Palácio das Artes) e faz jus ao seu público que aumenta.
Sem vídeos do show de ontem disponíveis ainda, deixo o clipe de "Cangote":
E uma (menos animada) apresentação de "Papa" + "It Takes Two To Tango" em Sttutgart:
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"A experiência é uma grande escola para performances tímidas"
O que se pode esperar do repertório desse show em Belo Horizonte? Basicamente o "Vagarosa" ou terá algumas canções diferentes e talvez até novas?
É basicamente o show do "Vagarosa" com algumas do primeiro disco também. Claro que, com o tempo, nós vamos inserindo novos elementos, mas é meio que o mesmo show mesmo.
Acompanhando três shows seus, desde o lançamento de "Céu" até a turnê de "Vagarosa", vejo que começou mais tímida no palco e agora já se mostra mais à vontade nesse lugar de exposição. Como você percebe a sua evolução nas apresentações ao vivo?
Sim, acho que com a estrada e com uma série de situações adversas, como tocar para outras culturas, fazer tours e estar esgotada de cansaço mas ter de manter a voz e a performance intactas, ou tocar em lugares públicos onde as pessoas não estão necessariamente para te ver, a experiência é de fato uma grande escola para performances tímidas! Mas, de qualquer maneira, não creio muito que uma pessoa de toda tímida iria parar em cima do palco!
Você tem se apresentado muito em festivais, no Brasil e fora. Pode fazer uma comparação sobre como se estruturam aqui e lá? Li no seu blog, por exemplo, um texto que você cita do Daniel Ganjaman criticando a separação da área vip e da popular.
Bacana poder falar um pouquinho disso. Nós temos festivais bem legais, mas acho que poderíamos ter mais, sendo o Brasil um dos países, na minha opinião, mais musicais do mundo. Acho que poderia existir um incentivo maior de iniciativas privadas, empresas e principalmente do governo pra que pudéssemos ter mais opções. Não só festivais para os artistas de grandes públicos tocarem, mas também pras bandas que estão no começo, as indies e as de médio porte. Enfim, quando volto de experiências assim, uma quantidade enorme de festivais muito bem produzidos, organizados não só para o público mas também para os artistas, democráticos e, principalmente, sem aquela enorme "barriga" na frente do palco que separa o artista de seu público e ganha o nome de área VIP, dá uma vontade enorme de que possamos caminhar cada vez mais para isso.
Você já declarou que "Vagarosa" veio de um desejo de desacelerar o ritmo apressado de trabalho e de acúmulo de dinheiro que rege o tempo atual. Conseguiu? Como está sua rotina?
Sim e não. Sim pois acho que levo a minha vida de uma maneira em que participo das coisas que amo e que são de fato importantes em minha rotina
cuidar e brincar com minha filha, encontrar amigos, tentar administrar o tempo no dia a dia com espaços para outras coisas que não sejam só "função". Várias vezes, deixo de fazer algo profissional pois não quero estar longe numa data de importância pessoal, familiar, enfim
isso é uma virtude enorme de ser minha própria "chefa". E as vezes não também, não consigo dar conta de tudo e me pego acumulando funções e ficando doida!
Você tem composto? O que tem te interessado ao fazer música?
Tenho sim, na verdade eu nunca páro de escrever, no máximo dou uma pausa quando a correria está muito brava. É muito tênue essa linha de onde começa um disco e termina outro, para mim um vai se fundindo com o outro e, quando você vê, já está com novas histórias para contar e quer ir para o estúdio gravar. Já tenho algumas ideias em mente, ainda não tenho datas nem dados práticos, mas creio que ano que vem estarei com disco novo sim. Tenho escutado muito Erasmo e um disco chamado Lambada das Quebradas, do Mestre Vieira da guitarradas. Estou completamente apaixonada por guitarrada.
Como está sua carreira internacional?
Está muito legal, mês passado eu conheci o leste europeu e fiquei impressionada com a receptividade deles com a música brasileira. Foi demais. Agora estou me preparando pra voltar para os Estados Unidos no final de abril.
*Entrevista publicada no Jornal O Tempo, em 24/03/2011
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