sábado, 2 de abril de 2011

Impressões sobre o ensaio de Tio Vânia, do Grupo Galpão

por Luciana Romagnolli

O Grupo Galpão fez hoje pela manhã um ensaio aberto de Tio Vânia, no Cine Horto. A diretora Yara de Novaes observou tudo da última fileira da plateia. O público, aliás, vê o espetáculo de uma arquibancada mais alta do que o palco, como deve ser na estreia, dia 8 de abril, às 21 horas, no tal Teatro Bom Jesus, durante o Festival de Curitiba.



O cenário inicial revela apenas a grande mesa de madeira, sólida, onde está servido o café da manhã, no quintal da casa imaginada por Tchékhov. Em torno (e até em cima) dela, transitam os personagens da peça, desvelando aos poucos suas relações e (des)motivações. O texto original é respeitado quase na íntegra, sem que isso impeça um e outro caco nascido dos ensaios - geralmente, tentando capturar o espectador pelo artifício cômico, ao mesmo tempo em que dão mais naturalidade à realidade física da cena.

A chave das atuações é realista, como nunca se viu na trajetória do grupo. Pode também causar algum estranhamento a distribuição dos papéis. Embora seja cedo para afirmar qualquer coisa, pois nem estreia houve ainda. Por outro lado, já sobressai a interpretação segura de Eduardo Moreira (foto) como Ástrov, o médico consciente das falhas humanas, inclusive das que ameaçam o meio ambiente, mas suscetível a um copo de vodka. O intérprete cede ao personagem a fala vigorosa e entusiasmada, além de resquícios de encantamento de um belo homem já em decadência. Há outros atores que ainda têm um caminho a cumprir até dar contornos mais precisos aos seus personagens, justificando o impacto que causam ao redor. Resta tempo.

E é de tempo - entre outras coisas - que o espetáculo trata. Um tempo de transição e desesperança, que lança para o amanhã a possibilidade de uma vida melhor, porque o passado foi desperdiçado e o presente se perde no tédio mais profundo. Se há algo a não se pôr em dúvida, é a atualidade cruel das palavras de Tchékhov e da inação à qual se atam. O que não senti ainda, nesse primeiro contato com a montagem, foi um tempo de encenação elaborado a partir desse tempo problematizado textualmente.

Quando cai a tela branca que isola o cenário-jardim, descortina-se uma salão amplo ocupado apenas por umas cadeiras de madeira e pilares em destruição. Estes, funcionam mais como possível metáfora do que esteticamente. Movem-se aos empurrões dos atores, trocam de lugar, reelaboram o espaço sem de fato construir ambientes definíveis. Concedem dinâmica aos deslocamentos e à ocupação espacial, como não há (por princípio) na apatia dos personagens de Tchékhov.

Para dizer mais, só depois da estreia.     

Para ver em Curitiba, se informe aqui.






 

Um comentário:

Felipe Cruz disse...

Há que se entender a fragilidade da estrutura do signo em uma encenação que tenta obter prismas retóricos triunfais. A decadência é mística, interente ao processo de entendimento do povo russo. O momento catártico corrobora suas definições.